Destaque,  Mo+,  Vida Cristã

27 anos e “eis-me aqui”

Logo depois do momento do louvor era possível ouvir os gritinhos das crianças que saiam correndo do templo em direção as salinhas de aula. Um dos momentos de maior alegria na Escola Dominical da Igreja Presbiteriana Independente de Paraguaçu Paulista. Foi assim que eu me apaixonei pela Igreja e claro, pelo Cristo que ali conheci. Alguns anos mais tarde, era eu quem direcionava as crianças, preparava as aulas e contava as historinhas. Foi a primeira vez que eu disse ao Senhor: Eis-me aqui!

Eu disse essa frase muitas vezes. Quando pré-adolescente cuidando das crianças, adolescente cantando no louvor, jovem atuando no evangelismo, e depois mais madura liderando mulheres. Mas, eu conto mesmo a partir da decisão de deixar tudo para traz – família, profissão, até o país – e viver a vida missionária em terra distante. Foi em 1996, ou seja, há 27 anos, que eu e o Laercio, meu esposo, decidimos nos entregar ao chamado, que a princípio não entendíamos bem, mas que aos poucos Deus foi sendo revelado.

Rev. Messias Anacleto Rosa orou, com imposição de mãos, nos enviando como missionários para o Japão. Era uma conferência internacional com a presença do missionário norte-americano Frank Dietz e, ele nos chamou na frente de 3mil pessoas presentes. Lembro-me de estar emocionada e ao mesmo tempo tomada por uma ansiedade. Contudo, as palavras ditas naquela noite ainda são vívidas na minha mente – “Não estamos enviando esse casal para ganhar dinheiro, mas para ganhar almas”, declarou o Rev. Messias.

Demissão do emprego, entrega do apartamento, venda dos móveis, encaixotar os itens pessoais, doar objetos, pegar os vistos, trocar o dinheiro, fazer a despedida… A lista para check-in estava sendo cumprida item por item. Enquanto cada tarefa estava sendo executada, os sinais da direção de Deus eram visíveis na nossa vida. Como não era um desejo nosso sair do Brasil naquele momento, pois Deus estava nos prosperando aqui, o Senhor precisou chamar nossa atenção para isso.

Os sinais de Deus

Havíamos perdido nosso primeiro filho, um menino, aos cinco meses de gestação. Ainda estávamos em luto. Então, num culto de oração na casa de uma amiga, a senhora convidada, que eu não conhecia, se aproximou de nós e começou a interceder e a profetizar. Uma frase impactante saiu de seus lábios como uma rajada de fogo em direção ao Laercio – “Eu te chamei para fazer de você um homem valente; e eu te levarei para longe, para o oriente”. Uau! Não é era óbvio? Ainda assim, pedimos para o Senhor confirmar essa decisão, afinal não era fácil simplesmente largar tudo.

Numa Tarde da Esperança, enquanto o Rev. Messias orava pelos “pactos” que fazíamos naquelas tardes de terça, ele olhou em nossa direção e apontou dizendo – “Deus vai te levar para longe”. É importante ressaltar que isso tudo aconteceu ANTES de comunicarmos aos pastores a nossa decisão de ir para o Japão.

Também foi surpreendente minha conversa com uma amiga jornalista, sobre a possibilidade de vir substituir-me no Ministério de Comunicação na igreja. Ministério que eu planejei e iniciei na Primeira IPI de Londrina, com tarefas que necessitavam de alguém com experiência na área de comunicação. Ela havia sido demitida de um importante canal de televisão e buscava uma direção de Deus para um novo trabalho. Eu era voluntária, e muitas vezes ofertante ao ministério; mas, contratada, ela veio como profissional com certeira assinada. Isso era mais um sinal de Deus para mim.

Deus cuida dos detalhes

Nesta época também liderava o Ministério de Mulheres da Primeira IPI, junto com mais três pessoas (minha irmã Rose, Josiane e a irmã dela, Rosangela). Éramos a primeira liderança no novo modelo de ministério, o que antes era conhecido como “sociedade das senhoras”. Nós éramos mulheres jovens, com uma visão mais ousada e imprimimos mais dinamismos aos encontros de mulheres. Depois, fomos também responsáveis por criar e realizar os encontros pelo Presbitério de Londrina, chamados de “Tarde da Amiga”, que reuniam centenas de mulheres. Sem dúvida, era um momento muito frutífero do meu “Eis-me aqui”. Mas, Deus tinha algo mais para fazer na minha vida.

Dá para ver que cada detalhe, que pudesse nos prender aqui, Deus foi conduzindo e resolvendo. Assim aconteceu com a minha posição no canal de TV, onde era apresentadora de programas locais, e com a agência de propaganda/editora onde eu era a proprietária. Uma nova profissional assumiu na TV. E a empresa? Eu doei para os amigos que trabalhavam comigo. Sim, uma empresa que valia, na época, mais de 100 mil reais. Assinei o contrato transferindo a sociedade com muita tristeza, pensando no quanto eu trabalhei para conquistar os clientes que confiavam em mim e o quanto era feliz atuando na comunicação. Mas, estava crendo nos novos planos que Deus tinha para mim.

De malas prontas

Em maio de 1996, preparamos as malas. Cada um com uma pequena mala de apenas 20Kg. Na minha havia algumas peças de roupa, alguns livros, Bíblia e algumas fitas cassetes com mensagens gravadas dos pastores. Isso era, para nós, itens de primeira necessidade, entende (rs). A gente não sabia o que encontraria lá, não sabia falar a língua, não sabia quanto tempo ficaríamos. E ainda havia dúvidas, claro! Por mais que Deus tivesse confirmado, o nosso lado humano questionava – “será que tomamos a decisão certa?”. Além disso, dizer adeus para minha mãe, viúva e recém-convertida ao Evangelho, foi muito doloroso. Assim como foi dizer tchau para todos os demais familiares. Uma sensação que parece fazer o coração parar.

A confirmação definitiva veio com clareza quando estávamos na terra do sol nascente. E quando vimos as necessidades (que só conhecíamos de ouvir falar) dos brasileiros e latinos que estavam lá para trabalhar. Muitos deles trabalhavam 10, 12 horas por dia, desgastando a saúde física, emocional e de relacionamentos. Pais que deixaram filhos no Brasil, casais que não se viam por que faziam turnos alternados, jovens sem sonhos, crianças que nasceram em solo japonês, mas, eram discriminadas por serem brasileiras…

Despreparada, mas, determinada

Ali iniciamos um trabalho incansável para cumprir a missão de Deus, de forma integral e comprometida com as vidas que o Senhor trazia até nós. Como não ajudar aquela menina de 17 anos, a Sh., esquecida pelos pais que se drogava e que tentou o suicídio mais de uma vez?! Levamos ela para casa, suportamos o seu descontrole em momentos de abstinência, levamos ao hospital. E como não se emocionar quando ela veio, anos depois, com sua filhinha no colo para se despedir e agradecer por termos lhe mostrado o amor de Deus. Como não se alegrar com a ideia de que houve uma grande festa no céu, quando aquele jovem japonês, filho de sacerdote budista, o K., aceitou a Cristo durante um momento de adoração na praia de Hamamatsu?!

Lidar com jovens e pessoas em desejo de suicídio, foi umas das experiências mais profundas e difíceis para mim. Foram vários casos! Eu tinha uma linha de telefone (que eu anunciava no jornal) para atender brasileiros em situação de desespero. Me lembro de uma vez ficar mais de uma hora no telefone com uma mulher que gritava muito, era possível ouvir o barulho de quando batia a cabeça contra a parede. E teve uma mãe desesperada que me procurou depois de descobrir a filha se cortando; por todo o corpo marcas de gilete na pele que sangravam e infeccionavam. Foram nove semanas ininterruptas de oração na casa da família até que a filha se recuperou de uma grave tentativa de suicídio.

Eu conheci o Dr. Nagai, médico que atendia a embaixada brasileira, responsável também por atestar e dar (ou não) a permissão de pessoas voarem ao Brasil, dependendo do estado de saúde mental. Em uma entrevista para o jornal que eu trabalhava em Aichi-ken, ele me disse que essa realidade de distúrbios entre os brasileiros era constante. Teve um pai de 30 anos mais ou menos, que frequentava nossa igreja que surtou e precisou retornar ao Brasil. Também me lembro de ser chamada para expulsar demônio de uma jovem esposa, que ao final de tudo estava com sintomas de esquizofrenia. Eram situações muito estressantes porque não eu tinha muito conhecimento na época. Por isso, desenvolvi o gosto de estudar neurociências e acabei por fazer o curso de Capacitação em Neurociências Relacional e Psicoterapias no Instituto da Família – FTSA.

Uma vida com propósito é uma vida com Deus

Bom, vamos parar por aqui senão esse depoimento virará um livro (rs), afinal foram 15 anos somente ali neste campo missionário. Mesmo trabalhando como jornalista naquele país (para jornal, revistas, TV e como voluntária na prefeitura da cidade onde morava), desenvolvi meu ministério, estudando teologia e recebendo a consagração ao ministério pastoral no Ministério Internacional de Missões Ágape. Nesses anos todos, eu pregava cerca de duas vezes por semana e as vezes viajava mais de uma hora para chegar em uma das comunidades. Nunca tive uma folga num final de semana, nosso compromisso era com as vidas que estavam perdidas e precisavam saber que Jesus veio para resgatá-las de sua dor e do seu pecado. Para mim, uma vida com propósito é uma vida com Deus, e minha alegria se tornou realizar a Sua Missão. 

Enquanto eu me preocupava em cuidar, apascentar, pastorear as ovelhas Dele, Deus interveio na medicina, na minha história, e me abençoou com o nascimento do Daniel Kin. Ele foi a minha recompensa, o meu “ouro” (Kin em japonês significa isso: ouro). Além disso, fiz muitos amigos, muitos deles japoneses nativos com quem convivi, muitas memórias que levarei comigo para sempre, de um tempo em que o “Eis-me aqui” fez todo sentido.

De volta ao Brasil, sigo servindo ao Senhor, agora como pastora ordenada pela Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (minha igreja desde aquele encontro quando criança) e, também como coordenadora de comunicação de escola teológica – a FTSA – Faculdade Teológica Sul Americana que “prepara vidas para servir ao Reino de Deus”. Este ano, tenho o privilégio de fazer parte do corpo docente de um novo curso para formação de líderes – o Formação Teológica Ministerial da FTSA. Se quiser saber mais sobre mim e sobre a faculdade entre em contato. Deus abençoe!

Monica Carvalho Costa

Jornalista, teóloga, missionária, pastora, esposa e mãe, que ama a Deus e a Sua missão

 

©Todos os direitos reservados. Os artigos podem ser copiados ou compartilhados desde que citadas as fontes e referências. Imagem: Freepik